"" Corrective : PORQUE PSICANÁLISE?

sábado, 5 de maio de 2018

PORQUE PSICANÁLISE?


“O que o paciente viveu sob a forma de transferência nunca mais esquecerá”. (Freud,1920)
 

Não se pode falar de Psicanálise sem mencionar o seu criador, Sigmund Freud. Médico neurologista, Freud nasceu em 1856 na Morávia, que na época pertencia à Áustria. Aos quatro anos foi para Viena onde viveu quase todo o resto de sua vida.  Judeu, como seus pais, foi essa a identidade cultural que vivenciou durante seus 83 anos. Trabalhando como residente no Hospital Geral de Viena teve sua atenção despertada para a Neurologia e a partir de seus mestres, iniciou seu percurso em direção à Psicanálise. Morou em Londres durante seu último ano de vida, aonde veio a falecer em 1939.
Ainda hoje, mais de cem anos depois e apesar de muitas contribuições, a Psicanálise continua viva em sua essência. Freud vive nas demandas do próprio sujeito, no seu sofrimento, nos seus medos, nas suas fantasias...
Quando as pessoas falam, “Freud explica”, entende-se que Freud deixou um legado para todas as classes sociais: sua teoria, sua técnica psicanalítica e ética profissional. Tudo isso é revivido em cada situação analítica, em cada paciente que é atendido e nos quais o psicanalista busca a causa de seu sofrimento, que sabe, é inconsciente. “Existo onde não penso” é o pensamento freudiano.
Há uma frase belíssima de Freud que resume o sujeito freudiano:
 “Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos,... "sem querer"”.
O diferencial da Psicanálise chama-se Inconsciente e é em busca dele que todo psicanalista caminha. Num lugar chamado setting ou enquadre e através de fenômenos como atos falhos, chistes, esquecimentos, sonhos e principalmente os sintomas, esse caminho vai se delineando.
No entanto, não é um caminho fácil de encontrar, uma vez que o analista luta todo o tempo com uma força contrária e de mesma intensidade daquela que ocasionou o esquecimento, o recalque de seu paciente. Os mecanismos, com os quais o paciente se defende da angústia causada pela repressão, são muitos e variam de acordo com sua estrutura neurótica. Lida-se todo o tempo com racionalizações, intelectualizações, negações, projeções, introjeções...Tudo para não deixar vir à tona o que está recalcado, reprimido e que causa angústia. Para a Psicanálise essa defesa tem o nome de resistência.
Queixas como transtornos de ansiedade, problemas de relacionamentos, fobias, compulsões, são algumas que aparecem no consultório e que a Psicanálise dá o nome de sintoma. O sintoma é a solução de compromisso assumida pelo sujeito, em nome de um desejo não satisfeito que há muito tempo foi recalcado e, portanto, esquecido.
A Psicanálise não visa tirar o sintoma do sujeito, como muitos poderiam imaginar. Ao contrário, o sintoma é um dos caminhos do inconsciente que seguimos para ajudá-lo a viver mais dignamente. Ajudá-lo a entender a si mesmo e ao mundo, enfrentando-o sem fantasias, com menos angústia, menos ansiedade e mais realidade; a sua realidade. Sem máscara, sem medo de encarar sua falta, sua fraqueza, sua impotência, tendo a oportunidade de fazer suas escolhas, sendo elas boas ou ruins, mas tendo a possibilidade de sustentá-las. Entendendo que ele não detém o poder, o controle sobre nada, nem mesmo sobre ele.
Através de um processo árduo de transferências, resistências, contratransferências, contra-resistências, insights, pontuações e interpretações, o analista faz o seu trabalho, criando um vínculo singular com cada paciente. É esse vínculo criado pela transferência que possibilita o trabalho de um analista.
Pela via da transferência, o paciente repete com o analista as relações objetais vivenciadas com suas figuras parentais ou quem esteve nesta função, às quais foram experienciadas numa idade bastante precoce. Revive todas as emoções, positivas e negativas. As experiências infantis continuam presentes no adulto, que vive e age de acordo com as regressões que caracterizam sua patologia psíquica.
Sentimentos de amor, ódio, ressentimentos, medos, ciúmes, inveja, rejeição são novamente experimentados, mas agora, finalmente simbolizados através da linguagem. Insights, lembranças e associações começam a ocorrer com as pontuações e interpretações do analista. Tudo que o analisando viveu e não foi entendido por ele, toma novo formato e outro ângulo de visão se faz presente.
Não pensem que é um trabalho fácil, mas ao contrário, muitos contratempos são esperados, espinhosos são os caminhos. Considerando-se que se trata de um processo de desconstrução e reconstrução psíquica do ser humano, estamos diante de um trabalho lento e por esta razão, sem um tempo determinado para o seu fim. O inconsciente é atemporal, infinito, inesgotável...
A Associação livre, único instrumento que o analista tem em suas mãos, regra fundamental da Psicanálise, permite que o paciente fale livremente. Mesmo aquilo que ele considera sem importância, irrelevante ou difícil de ser dito. Nos primeiros encontros entre duas pessoas tão diferentes e em posições tão assimétricas quanto a lugares, papéis, funções, tudo é explicado e acordado. Porém, existe em jogo um único desejo em busca de satisfação.
E da parte do analista? Do analista se exige ética profissional que se resume em neutralidade, abstinência, atenção flutuante e principalmente o amor à verdade, à honestidade, como o modelo clássico freudiano ou como pregam os psicanalistas contemporâneos, uma pessoa simples, disposta a escutar as inúmeras dimensões que envolvem a narrativa do paciente, formando com ele um par analítico tão necessário ao processo.
Para que esse vínculo ocorra é necessário que ele tenha feito o mesmo percurso de seu paciente, através de sua análise pessoal. Somente tendo passado pelo divã, entenderá a dor, o sofrimento, as alegrias e também as frustrações de seu analisando, isto é, os momentos pelos quais ele está passando durante o trabalho.
Sem esse conhecimento de si mesmo, ele poderá ouvir o outro, mas não poderá escutá-lo. Escutar nas entrelinhas, escutar aquilo que não é dito, o que o paciente não sabe que sabe, o seu saber inconsciente.
É condição necessária, senão imprescindível, que o analista tenha feito sua análise pessoal.  Somente mergulhando nas profundezas de sua vida e de suas emoções, se reconhecendo, poderá conhecer o outro, fazendo essa escuta de forma diferenciada. Não sabendo separar o que é seu do que é do outro, poderá se esbarrar numa contratransferência com seu paciente e a análise se transformará num impasse ou num conluio de pares ou ainda numa conversa de comadres, menos num trabalho de Psicanálise.
O psicanalista francês, Jacques Lacan (1953) fala em três momentos do processo psicanalítico: “instante de ver, tempo para compreender, momento de concluir”. Podemos daí entender que o tempo da subjetividade não é o mesmo tempo cronológico. Esse foi criado pelo homem, para melhor se organizar na dimensão econômica, política, enfim, grande parte de nossa vida está atravessada pela dimensão do tempo do relógio.
O tempo das emoções, das aprendizagens, das fantasias, dos sonhos, das vivências do sujeito não segue uma ordem cronológica; segue a ordem do inconsciente, onde não há dimensão de tempo; não há presente, passado ou futuro, uma vez que o inconsciente é atemporal. É um tempo que não passa e a prova disto é que, apesar de adultos, as lembranças da infância estão vivas na memória, com todas as marcas que deixaram. O passado pode ser revivido no presente e o futuro concebido em tais bases. O decorrer dos dias não elimina as vivências passadas, mantendo o passado no presente.
O tempo de ver é o tempo de tornar conscientes as vivências inconscientes, no entanto, ainda não há mudanças psíquicas, mas um passo estará sendo dado para o tempo de compreender, podendo parar por aí ou seguir em frente. A compreensão, gradativamente, levará ao caminho de concluir. Como um colar de pérolas, ao cair uma, cairá todas e o colar se reconstituirá num processo incessante de quedas e reconstruções, até sua montagem remodelada verdadeiramente.
Quem já viveu a Psicanálise sabe disso e nunca esquecerá este momento único em sua vida. O momento de investir em si mesmo, sair da fantasia, deixar de negar suas dores e enfrentá-las. A melhor forma de esquecer é lembrar, já dizia Freud; existe um sujeito antes e um sujeito depois da terapia psicanalítica.





Vídeo criado por Alexandre Simões

Nenhum comentário:

Postar um comentário